Cuidar da infância negra é lutar contra o racismo
- Alma Mater Cosméticos

- 17 de set.
- 5 min de leitura
Atualizado: 9 de out.

A infância deveria ser sinônimo de proteção e alegria. Mas, para muitas crianças negras, esse período é atravessado por experiências de exclusão, olhares enviesados e comentários que ferem. Não se trata apenas de brincadeiras de mau gosto: é racismo. E, quando acontece cedo, deixa marcas profundas na autoestima e na forma como a criança se enxerga no mundo.
Durante muito tempo, muitos pais e cuidadores acreditaram que o melhor era minimizar a dor: “não liga”, “isso passa”. Mas não passa. O silêncio não protege, ao contrário, perpetua o ciclo de invisibilidade e solidão racial.
É por isso que cuidar da infância negra significa também responsabilizar quem pratica o racismo. É garantir que a criança saiba que não está sozinha e que a justiça é também direito dela.
A cultura do racismo desde a infância negra
O racismo não é apenas um conjunto de atitudes preconceituosas ou ofensas ocasionais. Ele é um sistema organizado que distribui privilégios e desvantagens com base na cor da pele. Pessoas negras, por pertencerem a um grupo historicamente subjugado, enfrentam obstáculos que não são acidentais: são frutos de uma lógica construída e mantida ao longo do tempo.
Essa lógica se expressa de muitas formas: em comentários preconceituosos, na ausência de pessoas negras em espaços de decisão, na diferença salarial entre brancos e negros ou na maneira como corpos negros são associados, ainda hoje, à criminalidade e à inferioridade.
Pesquisas recentes mostram que o racismo é parte de um padrão de poder colonial, criado para justificar a dominação europeia sobre os povos das Américas. No Brasil, a escravização de pessoas negras sequestradas do continente africano constituiu a base econômica do país por séculos. Mesmo após a abolição formal, a herança dessa estrutura permanece viva e atinge a infância negra.
Ela aparece, por exemplo, na valorização de traços brancos como padrão de beleza e competência, enquanto a pele negra segue frequentemente associada à marginalidade. E é importante lembrar: as crianças não estão imunes a esse sistema. Desde a primeira infância, meninos e meninas negros crescem em ambientes que reforçam a ideia de que ser branco é mais bonito, mais aceito e mais valorizado, enquanto a negritude é tratada como algo a ser corrigido, escondido ou silenciado.
É nesse contexto que cada comentário racista, cada exclusão e cada invisibilização se tornam ainda mais cruéis, e é também por isso que cuidar é denunciar, porque não se trata de um caso isolado, mas de um sistema inteiro que precisa ser confrontado.
Racismo não é “brincadeira”
Chamar de apelido, mexer no cabelo sem permissão, rir do tom da pele, excluir das brincadeiras: essas situações, comuns no dia a dia escolar e familiar, muitas vezes são tratadas como algo menor. Mas são expressões do racismo.
Para a criança, o impacto é devastador: ela aprende que seus traços são motivo de vergonha e que precisa se esconder para ser aceita. Para os adultos, é preciso entender que cada comentário ou gesto racista tem peso real na construção da identidade na infância negra.
O papel do cuidador como guardião da infância negra
O primeiro gesto é acolher: ouvir, validar a dor, reforçar que não há nada de errado com a criança. Mas o cuidado não pode parar aí. É preciso:
Investigar o contexto: entender onde e como o episódio ocorreu.
Conversar com a escola ou responsáveis: exigir providências, cobrar formação antirracista e práticas de inclusão.
Registrar e denunciar: em casos mais graves, é direito e dever buscar os canais formais como: Conselho Tutelar, Ministério Público, Disque 100 (Direitos Humanos) ou até mesmo a polícia.
Reforçar a autoestima: lembrar todos os dias que cada traço, o cabelo crespo, a pele, o sorriso, é motivo de orgulho e beleza.
Ensinar também é proteger
A criança precisa aprender desde cedo que o que ela viveu não foi culpa dela, mas de uma sociedade racista. Explicar isso de forma clara e adaptada à idade é parte do cuidado.
Mais que isso: mostrar exemplos positivos de resistência negra ajuda a criar repertório. Livros, desenhos, músicas e histórias com protagonistas negros são ferramentas poderosas para fortalecer a autoestima das crianças. Ao se verem representadas em narrativas positivas, elas percebem que fazem parte de uma tradição de beleza, luta e superação.

Livros infantis de autoras/es negros:
Amoras – escrito por Emicida, inspirado em sua filha, celebra a beleza da pele negra e da ancestralidade.
O Mundo no Black Power de Tayó – de Kiusam de Oliveira, conta a história de uma menina que descobre a força e a poesia que vivem em seu cabelo crespo.
Com qual penteado eu vou? – de Sônia Rosa, mostra a riqueza das possibilidades estéticas dos cabelos crespos e cacheados.
Betina – de Nilma Lino Gomes, uma das maiores intelectuais negras do Brasil, que traz reflexões sobre infância e identidade.
Desenhos e animações:
O Mundo de Karma (Netflix), criado pelo rapper Ludacris, com uma menina negra protagonista que enfrenta questões de autoestima e identidade.
Motown Magic (Netflix), que resgata a musicalidade negra norte-americana para contar histórias infantis diversas.
Produções independentes como Bino e Fino (da Nigéria, distribuído no Brasil) e Tainá e os Guardiões da Amazônia, que trazem diversidade étnica e cultural.
Músicas:
Amoras e Pequenas Alegrias da Vida Adulta, de Emicida, que falam de orgulho e pertencimento.
Canções de MC Soffia, rapper mirim negra que canta sobre empoderamento e autoestima desde muito jovem.
Histórias e tradições afro-brasileiras:
Contos de matriz africana recontados por autoras/es da comunidade negra, disponíveis em iniciativas como o LiterAfro.
Narrativas sobre orixás infantis, como as reunidas em Histórias da Preta (Heloísa Pires Lima).
Ao incluir essas referências no cotidiano, pais e cuidadores mostram às crianças que, mesmo diante do preconceito, existe uma rede cultural e simbólica que as acolhe e valoriza, uma herança de força e beleza que merece ser celebrada todos os dias.
Denunciar é também cuidar
Muitos cuidadores têm receio de “exagerar” ou “criar confusão” ao denunciar. Mas não se trata de confusão, se trata de proteger direitos. Quando o racismo não é enfrentado, a criança aprende que sua dor não importa. Quando ele é denunciado, ela aprende que sua dignidade é inegociável.
Cuidar da infância negra é, portanto, também um ato político. É garantir que a proteção não se limite ao abraço em casa, mas se estenda às ruas, às escolas, aos espaços de convivência.
Meu crespinho, meu orgulho
Pentear um cabelo crespo infantil com paciência e amor é muito mais que estética: é gesto de afirmação. Mas o cuidado não pode ser só íntimo, precisa ser também coletivo, social, político.

Na Alma Mater, acreditamos que fortalecer a autoestima da criança negra é inseparável de construir uma sociedade que a respeite. Por isso, além de fórmulas seguras e naturais, a linha Meu Crespinho Baby carrega o compromisso de apoiar pais e cuidadores nessa jornada de amor e resistência.
Cada cachinho cuidado é também uma forma de dizer: você merece ser visto, respeitado e protegido, sempre.

por Simone Aguiar
Diretora Executiva na Alma Mater Cosméticos
Simone é mãe, avó e farmacêutica, graduada pela UFRGS. Atua no mercado de cosméticos há 40 anos, tendo desenvolvido mais de 100 formulações comerciais ao longo de sua carreira como consultora e colaboradora em grandes empresas como Biolab Farmacêutica, Body Store, The Body Shop/Natura.


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