Tela preta, tela viva: o espelho digital da infância negra
- Alma Mater Cosméticos

- 22 de out.
- 6 min de leitura

Há dias em que eu olho o brilho das telas e me pergunto: o que será que as nossas crianças estão vendo e, mais ainda, o que elas estão deixando de ver? Hoje, quase toda infância tem um toque de tela. Celulares, tablets, desenhos, jogos, vídeos, influenciadores. As telas estão por toda parte e moldam a forma como as crianças entendem o mundo, o corpo e o que é “bonito”, “aceitável” ou “importante”.
Mas e quando essa tela é quase toda branca? Quando a princesa é sempre loira, o herói tem olhos claros e o cabelo que aparece nunca se parece com o do seu filho ou da sua filha? É nesse instante silencioso que algo perigoso acontece: a criança negra começa a duvidar do próprio espelho.
Por isso, falar de representatividade digital na infância negra é urgente. Porque o que as telas mostram, ou escondem, ajuda a construir o modo como as crianças se enxergam, sonham e se amam.
Quando a tela apaga: o peso da ausência
As telas são os novos espelhos da infância. Mas, por muito tempo, esse espelho refletiu um mundo monocromático, um mundo onde o cabelo crespo era invisível, onde a cor da pele escura era sinônimo de vilão, e onde as famílias negras raramente eram retratadas com afeto.
Pesquisas da UNICEF e da SaferNet Brasil indicam que crianças negras, expostas a conteúdos com pouca diversidade, desenvolvem percepções negativas sobre si mesmas e sobre outras pessoas negras. Essa influência é silenciosa, quase imperceptível, mas profunda. Quando a representatividade falta, instala-se um vazio simbólico: o de não se reconhecer no que é valorizado.
Nos videogames, os heróis quase sempre têm pele clara. Nos desenhos, os protagonistas são majoritariamente brancos. Nos vídeos, os influenciadores mais vistos ainda vêm de realidades muito distantes da maioria das crianças brasileiras. E o resultado é que, mesmo em um mundo hiperconectado, muitas infâncias negras continuam desconectadas de si mesmas.
A ausência de espelhos positivos não é neutra. É uma forma de violência simbólica. O tipo de racismo que não precisa de ofensas para ferir.
Quando a tela vive: o poder da representatividade na infância negra
Mas a boa notícia é que o espelho está mudando. E quando ele muda, a infância inteira muda de cor.
Hoje, vemos surgir um número crescente de desenhos, jogos e criadores de conteúdo afrocentrados que transformam o modo como crianças negras se percebem. São produções que não pedem licença para existir. Elas afirmam, celebram e inspiram.
💻 Desenhos que inspiram:
O Mundo de Greg (Cartoon Network): um menino negro vive aventuras com seus amigos, em histórias cheias de humor e diversidade.
O Mundo de Karma (Netflix): criada pelo rapper Ludacris, celebra a criatividade e o cabelo crespo como símbolo de poder.
Star Wars - Aventuras dos Jovens Jedi (Disney Plus): Kai, um garoto negro, embarca com os amigos em grandes aventuras.
Irmão do Jorel (Classificação indicativa: 10 anos - Brasil): cada vez mais aberto à pluralidade de corpos, vozes e tons de pele.
📱 Canais e influenciadores negros que transformam:
Pretinhas Leitoras, com suas histórias de empoderamento e amor pelos livros.
Mundo da Lari, uma menina negra que brinca e ensina com alegria.
Livros do Drii, escritor, Apresentador & ator - Estudante de Teatro.
Esses espaços não são apenas entretenimento. São atos de cura coletiva. Cada personagem negro que sorri na tela é um remendo de autoestima, um convite para acreditar que ser quem se é basta.
O impacto das telas na autoimagem infantil
As telas têm o poder de moldar o imaginário e o imaginário molda o possível. Quando uma menina negra cresce vendo apenas princesas brancas, ela não quer só o vestido: quer a pele. Quer o cabelo. Quer a aceitação que a mídia associa a esses corpos. Mas quando ela vê uma princesa como Tiana, de A Princesa e o Sapo, algo dentro dela muda. A menina entende: “Eu também posso ser o centro da história.”
E isso é mais do que autoestima. É reparação simbólica.
Ver-se representada significa aprender a se amar. E, para o menino negro, ver heróis como Miles Morales (Homem-Aranha negro e latino) ou personagens como o Greg é um lembrete de que coragem e beleza também têm pele escura. Essas imagens não são só desenhos. São espelhos que devolvem o direito ao sonho.

O papel das famílias: mediação com afeto e consciência
As telas não são inimigas. São ferramentas. O que muda tudo é a forma como as usamos e como ajudamos as crianças a interpretar o que veem.
Pais, mães e cuidadores têm um poder imenso nesse processo. A mediação amorosa é o antídoto para o consumo passivo. E ela começa com algo simples: estar junto.
Cinco gestos que transformam o tempo de tela em tempo de vínculo:
Assista junto: o diálogo é o melhor filtro parental que existe.
Comente os personagens: pergunte o que a criança sentiu, o que gostou, o que achou diferente.
Mostre diversidade: busque conteúdos afrocentrados e também indígenas, quilombolas, periféricos. A pluralidade educa.
Crie um olhar crítico: ensine que nem tudo o que aparece é justo ou verdadeiro.
Equilibre os tempos: reserve momentos para a leitura, a natureza, o afeto. O offline também constrói autoestima.
Esses gestos pequenos moldam percepções grandes. Porque uma criança que aprende a ver o mundo com consciência, aprende também a se ver com amor.
O papel das marcas e plataformas
Famílias não podem fazer tudo sozinhas. As marcas, as plataformas e as produtoras de conteúdo também têm responsabilidade na construção de um digital mais diverso.
De acordo com o Relatório de Diversidade no Audiovisual Brasileiro (ANCINE, 2023), apenas 15% das produções infantis no país têm protagonistas negros. Isso precisa mudar — não apenas por justiça, mas por futuro.
Estúdios de animação devem contratar roteiristas e ilustradores negros, garantindo autenticidade.
Desenvolvedores de jogos precisam incluir avatares com diferentes tons de pele e texturas de cabelo.
Plataformas como YouTube Kids e Netflix podem dar destaque a produções que celebram culturas afro-brasileiras e indígenas.
A representatividade digital não é apenas estética. É estrutural. Ela forma opinião, define o que é “normal” e o que é “invisível”.
Sabedoria ancestral fora da tela
Nem tudo o que ensina passa pela tecnologia. As culturas africanas e afro-brasileiras sempre valorizaram a oralidade, o contar histórias, o aprender em comunidade. Trazer esses rituais para a rotina é uma forma de equilibrar o digital com o ancestral.
💡 Que tal criar um “sábado sem tela”? Ler contos africanos, fazer penteados afro, cantar cantigas, ouvir histórias das avós, cozinhar juntos receitas da nossa gente. Esses momentos ensinam o que nenhuma tela ensina: quem somos, de onde viemos e por que isso importa.
Perguntas que transformam
Antes de entregar o celular ou ligar o tablet, vale refletir:
O que meu filho(a) vê quando olha para a tela?
Ele(a) se reconhece nas histórias que consome?
Que mensagens sobre beleza e valor humano essas telas estão transmitindo?
Como posso preencher os silêncios com histórias que representem nossas raízes?
Essas perguntas simples abrem caminho para uma nova educação digital, mais consciente, mais plural, mais viva.
Conclusão: telas vivas, infâncias vivas
A infância negra merece se ver nas telas. Não apenas como símbolo de resistência, mas como protagonista da alegria, da criatividade e da esperança. Quando a criança negra se reconhece, o mundo se ilumina um pouco mais. E quando as famílias acompanham esse olhar com amor, a tecnologia deixa de ser espelho quebrado e vira janela para um futuro possível.
Tela viva é aquela que mostra o mundo como ele realmente é: diverso, colorido e cheio de futuro. E que, entre uma risada e outra, as nossas crianças aprendam que ser quem são é o maior superpoder de todos.

por Simone Aguiar
Diretora Executiva na Alma Mater Cosméticos
Simone é mãe, avó e farmacêutica, graduada pela UFRGS. Atua no mercado de cosméticos há 40 anos, tendo desenvolvido mais de 100 formulações comerciais ao longo de sua carreira como consultora e colaboradora em grandes empresas como Biolab Farmacêutica, Body Store, The Body Shop/Natura.

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