Do berço à realeza: ancestralidade e identidade de crianças negras
- Alma Mater Cosméticos

- 5 de nov.
- 4 min de leitura

Como pais e avós podem fortalecer a identidade de crianças negras e transmitir a grandeza de seus antepassados.
Quando penso nas histórias que ouvi da minha avó, lembro da sensação de pertencimento que nascia em mim a cada palavra. Ela não me contava contos de fadas. Ela me contava de reis e rainhas, de impérios africanos, de mulheres guerreiras, de homens sábios. Era a forma dela me dizer: você vem de longe, menina. E de um lugar bonito.
Hoje, como mãe e avó, percebo o quanto essa herança é urgente. Nossos filhos e netos crescem cercados por referências que, muitas vezes, apagam ou distorcem a imagem da pessoa negra. E é justamente aí que entra o papel de quem educa: recontar o passado com verdade e amor é um ato de proteção.
A infância negra e o direito à identidade
Estudos sobre o desenvolvimento infantil apontam que o senso de identidade começa a se formar ainda nos primeiros anos de vida. Pesquisas conduzidas pela psicóloga Phyllis Katz, da Universidade do Colorado, mostram que crianças a partir dos 3 anos já reconhecem diferenças raciais e absorvem as atitudes dos adultos ao redor.
Se o ambiente oferece silêncio ou desconforto quando o assunto é negritude, a criança entende que há algo errado em ser quem é. Por isso, fortalecer a identidade de crianças negras é cuidar da autoestima desde o berço. É dar à criança um espelho limpo, onde ela se vê inteira, com seus cabelos crespos, sua pele, seus traços, e entende que tudo isso carrega força, beleza e história.
Resistência: o fio que nunca se rompeu
A escravidão tentou romper nossas raízes, mas não conseguiu. Do outro lado do Atlântico, as tradições sobreviveram na oralidade, na música, nas rezas, nas mãos que trançavam o cabelo e cozinhavam juntas.
Segundo o IBGE, cerca de 56% da população brasileira se autodeclara negra ou parda. Isso significa que a maioria deste país tem no corpo e na memória a marca de uma ancestralidade africana que construiu o Brasil, mesmo que por muito tempo tenha sido silenciada.
Movimentos como o Mães Negras do Brasil e o Coletivo Dúdú Badé mostram que educar uma criança negra é também um gesto político: é garantir que ela cresça com consciência de sua dignidade e alegria em ocupar o mundo com orgulho.
Realeza: o outro lado da história
Por que nossas crianças conhecem os castelos da Europa, mas não os palácios de Benin, Ifé ou Mali?
O Império do Mali, no século XIV, foi uma das maiores potências econômicas do mundo, governado por Mansa Musa, considerado o homem mais rico da história pela revista Time. A Rainha Nzinga de Angola comandou exércitos, negociou com colonizadores e defendeu seu povo com inteligência e coragem. E o Reino de Daomé, hoje Benin, tinha mulheres guerreiras que inspiraram as Dora Milaje, de Pantera Negra.
Quando uma criança negra ouve essas histórias, ela entende que não vem apenas de dor, mas de grandeza. Que o cabelo trançado da mãe tem raízes nas coroas de suas ancestrais. Que a cor da pele é símbolo de sol, não de sombra.
Contar histórias é plantar sementes
Em casa, sempre acreditei que a ancestralidade se ensina com o corpo e com a rotina. Contar histórias é importante, mas o exemplo cotidiano é o que mais marca.
Quando penteamos o cabelo dos pequenos com cuidado, quando ensinamos o nome das ervas que curam, quando cozinhamos juntos um prato típico e falamos de onde ele veio, estamos transmitindo memória viva.
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie fala sobre “o perigo da história única”. Ela lembra que, quando só ouvimos um lado da história, passamos a enxergar os outros povos de forma limitada. Nossas crianças merecem mais do que uma única versão. Merecem narrativas em que possam se ver como protagonistas, e não apenas figurantes.
Pequenas ações para fortalecer a identidade de crianças negras
Livros infantis com protagonistas negros – Fevereiro (Carol Fernandes), Com Qual Penteado Eu Vou? (Kiusam de Oliveira, Renato Noguera), Da minha janela (Otávio Júnior) e Betina (Nilma Lino Gomes) são abraços literários.
Brincadeiras com sentido cultural – ensinar cantigas de roda afro-brasileiras, aprender os significados dos orixás, explorar instrumentos de percussão.
Álbuns de família e genealogia – mostrar fotos de bisavós, falar de onde vieram, criar juntos uma “árvore das origens”.
Celebrar datas de memória – o 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra, pode ser mais do que uma efeméride: um momento de reverência e orgulho.
Essas experiências constroem o que o educador Paulo Freire chamava de consciência crítica, a capacidade de entender o mundo e se reconhecer nele.
A palavra que cura
Ao me tornar avó, percebo que o maior presente que posso deixar aos meus netos não é material, mas simbólico: a certeza de que eles vêm de um povo que sempre soube recomeçar.
Há algo de revolucionário em ver uma criança negra crescer com segurança afetiva. Porque, historicamente, tudo tentou negar a ela esse direito. Mas quando ela aprende o valor do seu nome, da sua história e da sua cor, nenhum padrão imposto tem mais poder.
A memória é o nosso escudo. A ancestralidade, o nosso mapa.

Do berço à realeza
Transmitir ancestralidade é um gesto de amor e continuidade. É dizer à criança: “você é parte de uma história que começou antes de você e vai muito além de nós”.
Quando vejo minha neta brincando com suas bonecas de cabelo crespo, me lembro de mim, tentando alisar o meu diante do espelho. E penso: que bom que ela não precisa se esconder pra ser bela.
Esse é o poder da ancestralidade quando atravessa gerações: ela transforma dor em dignidade, e lembrança em luz.

por Simone Aguiar
Diretora Executiva na Alma Mater Cosméticos
Simone é mãe, avó e farmacêutica, graduada pela UFRGS. Atua no mercado de cosméticos há 40 anos, tendo desenvolvido mais de 100 formulações comerciais ao longo de sua carreira como consultora e colaboradora em grandes empresas como Biolab Farmacêutica, Body Store, The Body Shop/Natura.

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