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Sankofa - voltar para buscar o que nos move: identidade, história e futuro das crianças negras

  • Foto do escritor: Alma Mater Cosméticos
    Alma Mater Cosméticos
  • 13 de nov.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 27 de nov.

Sankofa: A identidade das crianças negras

Às vezes, quando observava meus filhos brincando, quando pequenos, pensava no quanto o tempo é um professor curioso. Ele passa correndo, mas sempre deixa pistas. Deixa cheiros que reconhecemos sem lembrar de onde vêm, músicas que nossa boca sabe cantar mesmo sem saber quem ensinou. Deixa jeitos de arrumar a casa, de organizar o cabelo, de cozinhar o feijão de domingo.


Esses rastros, que parecem tão pequenos, são o que me fez compreender, já adulta, mãe e agora avó, o que o povo Akan de Gana chama de Sankofa. Aprendi essa palavra como quem encontra um pedaço perdido de si mesma. Sankofa quer dizer “volte e traga o que ficou para trás”.


Mas não é um “voltar” que prende. É um voltar que empurra.


O princípio Sankofa diz que tudo aquilo que a gente precisa para caminhar com firmeza já viveu antes da gente e que buscar essas memórias não é retroceder, e sim preparar o caminho para seguir.


E é daqui que nasce este texto: do desejo de que nossas crianças negras caminhem sabendo que não começam do zero. Há uma história inteira pedindo para guiá-las.


Onde começa o Sankofa dentro de nós

Eu cresci, como muitas pessoas negras no Brasil, ouvindo histórias pela metade. Na escola, os livros falavam tão pouco dos nossos povos que parecia que a nossa história começava aqui, nas Américas, e sempre pela página da violência.


Foi só muito mais tarde, conversando com outras mulheres negras, que entendi que esse sentimento, essa falta de chão, de referência, não era minha apenas. Era de todos nós.


Pesquisas de psicologia do desenvolvimento mostram que a identidade racial começa a ser formada cedo, por volta dos três ou quatro anos. Mas, antes mesmo disso, as crianças já percebem o que é valorizado e o que é evitado ao redor delas. Não são as palavras que ensinam; são os gestos, as ausências, os olhares.


E aqui está a importância de Sankofa: ele nos dá permissão para buscar o que não pudemos aprender quando éramos crianças. Ele diz: “Volte. Reconheça. Traga de volta. Passe adiante.”


Para mim, Sankofa apareceu primeiro como um suspiro, um chamado para olhar com mais cuidado para a história que corre silenciosa na minha família, desde muito antes de eu nascer.


O que realmente significa Sankofa, além do pássaro

Muita gente conhece Sankofa pelo símbolo do pássaro que olha para trás com um ovo no bico. É uma imagem forte e bonita, mas Sankofa não é, em essência, o pássaro.


Sankofa é o movimento interno. O gesto que fazemos quando paramos para lembrar de algo que nos fortalece. O impulso que nos leva a resgatar uma história, um costume, uma música, uma palavra, uma verdade sobre nós mesmos.


O pássaro é só uma metáfora. O que importa é o ato: buscar o que nos foi tirado, esquecido ou silenciado. E, quando falamos de crianças negras, Sankofa se transforma também em compromisso.


Sankofa e a infância negra: como esse princípio protege

Nossas crianças crescem em um país onde a imagem da pessoa negra ainda é disputada. Quem cuida de crianças negras sabe que, cedo ou tarde, aparece aquele momento em que elas começam a perceber o que o mundo espera que elas sejam ou deixem de ser.


E é aí que Sankofa se torna ferramenta. Porque, quando recuperamos histórias que afirmam quem somos, fornecemos outro filtro para enxergar a vida.


Ao ensinar Sankofa a uma criança, ensinamos:

  • que ela vem de povos que criaram cidades, reinos, sistemas de arte e ciência;


  • que ela tem heranças que não aparecem apenas nos livros, mas no corpo, no ritmo, nos afetos;


  • que ela não precisa escolher entre futuro e passado. Pode levar os dois juntos;


  • que ela pertence a uma continuidade, não a um vazio.


Mais do que autoestima, isso dá espinha dorsal. Identidade não é elogio: é estrutura. E nenhuma criança cresce de pé sem estrutura.


Como viver Sankofa em casa, de um jeito simples e verdadeiro

Sankofa não exige cerimônia. Ele nasce das pequenas escolhas do cotidiano e é isso que o torna tão poderoso.


Aqui estão algumas formas de praticar esse princípio com as crianças:

1. Recontar histórias familiares

Toda família negra tem tesouros escondidos: a avó que trançava cabelos no bairro todo, o tio que tocava um instrumento ancestral sem saber o nome, o bisavô que guardava palavras de um dialeto africano sem entender sua origem. Essas histórias são nossos ovos, aquilo que o pássaro leva no bico.


2. Criar rituais de memória

Pode ser uma noite da semana em que vocês ouvem músicas africanas ou afro-brasileiras, uma comida especial preparada em conjunto, uma conversa curta antes de dormir sobre algo que aprenderam sobre si mesmos. O ritual é menos importante que a constância.


3. Mostrar referências vivas

Livros, desenhos, artistas, cientistas negros não para “compensar”, mas para mostrar o mundo inteiro que sempre existiu e que por tanto tempo ficou de lado.


4. Cultivar o corpo como memória

Cabelos, pele, traços, tudo isso carrega histórias mais antigas que nós. Ensinar a criança a cuidar do próprio corpo com respeito é também ensinar Sankofa: o corpo guarda aquilo que a história não escreveu.


Essas ações, tão simples, constroem um mundo onde a criança negra se enxerga com nitidez: não como exceção, mas como continuidade.


Sankofa: menina negra com o pássaro de ouro

Sankofa como reparação suave: quando lembrar cura

Quando falo de Sankofa, não estou falando de voltar ao passado para reviver feridas. Estou falando de voltar para resgatar o que nos fortalece, e isso é ato de reparação.


Reparação não é apenas política pública. É gesto cotidiano, é afeto. É recuperar histórias que foram apagadas. É devolver às nossas crianças o direito de saber que são parte de algo grande.


Durante séculos, pessoas negras foram impedidas de transmitir suas narrativas. O Brasil cresceu ouvindo versões incompletas da nossa história. E isso moldou o imaginário de gerações.


Por isso Sankofa é tão urgente: ele interrompe esse ciclo. Ele devolve a chave da própria história às mãos das crianças negras. De um jeito suave, Sankofa diz: “Você não é pequena. Quem veio antes de você já abriu o caminho.”


Leia também:


O futuro que Sankofa nos convida a construir

Eu gosto de imaginar que cada criança negra que cresce sabendo seu valor vai empurrar uma porta que outra pessoa deixou entreaberta.


O princípio Sankofa, quando vivido na infância, cria adultos menos perdidos, menos ansiosos, menos desconectados de si. Cria jovens que sabem que pertencem e pertencimento é a base da coragem.


E coragem é o que transforma o futuro.


Quando recuperamos aquilo que ficou para trás, criamos novas possibilidades para o que vem adiante. Quando ensinamos às crianças que suas origens são fonte de força, elas não apenas se protegem, elas se expandem.


Sankofa nos lembra que caminhar para a frente não significa abandonar o que somos. Significa levar conosco tudo o que faz sentido.


Para terminar: o que eu desejo para meus netos

Se eu pudesse pedir uma coisa ao tempo, seria isto: que as próximas gerações de crianças negras caminhem sem sentir que precisam se diminuir para caber no mundo.


Que elas saibam que têm direito ao brilho. Que elas cresçam sem nunca acreditar que vieram de um vazio. Que sintam orgulho do que carregam no corpo, no riso, na história.


E que, quando tiverem dúvidas sobre quem são, possam sempre voltar, não para se prender, mas para buscar o que as move. Porque Sankofa é isso. É memória que ilumina o caminho. É passado que empurra. É futuro que honra.



Simone Aguiar - Diretora executiva na Alma Mater Cosméticos



por Simone Aguiar

Diretora Executiva na Alma Mater Cosméticos




Simone é mãe, avó e farmacêutica, graduada pela UFRGS. Atua no mercado de cosméticos há 40 anos, tendo desenvolvido mais de 100 formulações comerciais ao longo de sua carreira como consultora e colaboradora em grandes empresas como Biolab Farmacêutica, Body Store, The Body Shop/Natura.

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